Friday, February 10, 2012

Medo da Eternidade, Clarice Lispector

-Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba.  Dura a vida inteira. 
-Como não acaba?  -Parei um instante na rua, perplexa. 
-Não acaba nunca, e pronto.
...
Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
-E agora que é que eu faço?  - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. 
-Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar.  E aí mastiga a vida inteira.  A menos que você perca,  eu já perdi vários. 
Perder a eternidade? Nunca.
...
Assustei-me, não saberia dizer por quê.  Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada.  Mastigava, mastigava.  mas me sentia contrafeita.  na verdade eu não estava gostando do gosto.  E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito. 
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade.  Que só me dava era aflição.  Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. 
Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. 
...
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso. 
Mas aliviada.  Sem o peso-da eternidade sobre mim. 

               Essa crônica é linda.  Ela aborda a experiência simples de uma criança que está a provar pela primeira vez chicle.  É algo ordinário que se torna extraordinária.  A criança de primeiro é tomada de espanto, cativada pela idéia de uma bala durar para sempre.  Ao mastigar a bala infinita a criança fica nervosa.  Não é que ela não gosta do chicle mas que o gosto da eternidade é assustador para ela.  Ela diz mesmo "Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade."
              Clarice Lispector escreveu uma crônica típica e tão perfeita. Ela conseguiu pegar uma experiência cotidiana e fazê-la real para o leitor.  O leitor olharia para o chicle de modo novo.

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